sexta-feira, 30 de maio de 2008

AVE DE ARRIBAÇÃO





Era o treze de junho do ano de 1868 e com mais um dia de sol nascia nas bandas do Ceará, Antônio Salles, meu tio avô, filho de Miguel Ferreira Salles e de Delfina Pontes Salles .
O acontecido foi no casario da bela aldeia da “Praia do Parazinho” conhecida como antiga “vila do alto alegre”: lugarejo marítimo entre montanhas arenosas, de altas e grandes dunas, e o paradisíaco mar verde-esmeralda do Ceará. Estas dunas migratórias de uma certa forma cruel e hostil, respondendo ao apelo eólico dos ventos desta região quase desértica, caminharam lentamente e deslocando-se acabaram por soterrar o seu berço natal. Dunas que marcaram suas lembranças infantis, gerando vários dos seus poemas e seu romance de época “Aves de arribação”, que seriam dedicados ao seu companheiro de aventura deste mundo de areia e mar, Adolfo Salles, seu irmão e meu avô materno. Seria o seu começar a ser poeta:

NINHO DESFEITO

A casa onde nasci no Parazinho,
Já não existe mais
Sou no mundo como a ave cujo ninho
Desmancharam os rudes temporais.

Não somente meu lar, mas toda a aldeia
Pousada a beira mar
Jaz sepultada num lençol de areia e
Ali ninguém há de habitar.

Mesmo os grandes coqueirais
Cuja fronde se erguiam a farfalhar
Sumiram-se, e a graúna
Não tem onde
Ao crepúsculo cantar.


Conta o nosso Antônio Salles noutro seu poema, que certa vez ao entardecer praiano lá na sua aldeia, se isolaria dos demais companheiros e tentaria ingenuamente tocar a face da lua, emendando varas de madeira umas as outras num esforço inatingível e pueril, surgindo:

A CRIANÇA E O POETA

Quando eu era criança
Em minha linda aldeia
Ia brincar na areia
Com os pirralhos da minha vizinhança.

E fui buscar uma comprida vara:
Mas em vão! Emendei outra a primeira
E mais outra, e afinal
Senti que a lua irônica altaneira
Ria daquele esforço colossal.

Mas como já não sou simples criança
Fugindo a pensamentos mais tristonhos
Já não emendo varas
Agora emendo sonhos para atingir o bem que não se alcança.


No Rio de Janeiro no 1988, viu surgir a Academia Brasileira de Letras, ao lado de Machado de Assis, seu amigo de duradoura convivência.
A renomada escritora Raquel de Queiroz teria dito que ele foi a principal figura literária do Ceará da época.
Antônio Salles autodidata lutou, sofreu e venceu...
Partindo no quatorze de novembro de 1940, para sua aldeia eterna, seria mais uma ave de arribação do planeta Terra.
Legou-me um minúsculo fragmento do seu DNA poético, me atingindo, me contaminando e me conectando por fios invisíveis da internet do tempo.
O cursor do destino fez um elo entre o poeta de ontem e o meu EU de hoje....
Tio Salles, sua essência e seu conteúdo habitam em mim!


Maria José Salles Callado.
“Meu primeiro texto poético... em 16/10/07”





Antônio Salles,
O poeta Cearense dos séculos XIX e XX e também do século XXI:
 

 
“Da Fé alguém já me disse
Nós temos necessidade:
É uma arma na mocidade
E um bastão para a velhice”.

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